Escrever sobre este assunto é ir pôr o dedo na ferida, é fazer uma viagem ao que acontece ao nível mais profundo do nosso ser aquando do acontecimento mais transformador que pode existir na vida de uma mulher, ter um filho.
Ser mãe é já não estar sozinha, é um perder de uma capacidade natural de ser "egoísta".
De repente deixas de te ter só a ti como centro do teu pequeno universo, de repente tudo gira em torno deste pequeno ser que é tão teu ao mesmo tempo que não te pertence.
De repente percebes que não sábias nada sobre o amor até àquele momento, percebes que consegues sobreviver e funcionar com tão pouco. Poucas horas de sono, pouco alimento, e até, pouco auto-cuidado, porque todos os teus recursos se mobilizam para suprir as necessidades daquele pequeno ser.
Esta transformação surgiu na minha vida há cerca de 6 anos, aliás atrevo-me a dizer que começou antes, começou no profundo desejo de ser mãe. Aí começaram os preparativos, consultas médicas, toma de vitaminas e exames para preparar o caminho para a possível chegada do tão desejado bebé.
Até que um dia, aquela miúda de 24 anos acordou, fez um teste de gravidez e viu o resultado positivo, daí foi toda uma avalanche de mudanças e transformações, quer a nível físico, quer a nível psicológico que me foram moldando numa mulher.
Aos 25 anos nasceu de mim o tão desejado filho, com várias complicações pelo meio, uma gravidez difícil, um parto difícil e traumático, um bebé prematuro numa unidade de cardiologia pediátrica e com um futuro incerto. No meio de toda a tempestade ainda veio aquela grande besta chamada "depressão pós parto". Seguiram-se 3 anos a viver só para ele, até que um dia ele vai para o infantário e me deparo com um momento de "então e agora o que é que eu faço?".
3 anos a cuidar do dele e apercebi-me que me esqueci de cuidar de mim. Esqueci-me de quem eu era, não sabia mais qual era a minha essência e propósito para além de cuidar de outro alguém.
No meio do processo de ser mãe esqueci-me de que também sou mulher.
O reflexo no espelho parecia não me pertencer, os cabelos outrora longos deram lugar aos cabelos curtos, mais práticos para o dia-a-dia, a vaidade das unhas arranjadas deu lugar às unhas curtas, muitas vezes roídas, e o corpo estava irreconhecível. O peso estava a mais, as estrias mostravam o rasto de uma pele que esticou tanto quanto podia para que o corpo pudesse servir de morada a outro ser, o peito diferente pelo propósito de dar o alimento tão precioso ao bebé.
Olhando para ele, tudo valeu a pena mas ainda assim não me reconhecia, a auto-estima era inexistente, os comentários alheios atingiam-me como facas.
Ainda assim, decidi enfrentar o mundo, fazer-me à vida, arregaçar as mangas e voltar a ser alguém para além de ser mãe. O processo foi difícil, com muitos altos e baixos, trabalhos novos, etapas novas e uma separação.
Cortar o cordão umbilical com uma realidade, que parecia ser a única que conhecia, até porque muito honestamente não me consigo lembrar de como era a vida quando não era mãe. Atenção, não é uma amnésia, lembro-me da minha vida, de acontecimentos, mas é difícil lembrar como é não ter o meu menino.
Depois de todo um turbilhão de mudanças, um nascimento, uma vida só para ser mãe, vieram as despedidas, um funeral, uma rotura de um relacionamento de 10 anos, um partilhar da guarda, veio o verdadeiro choque. "Agora tenho que reaprender a ser eu, a ser mulher, a conectar-me novamente com a minha essência, que não era mais a mesma. Aceitar as mudanças físicas e psicológicas que não estavam ao meu alcance de mudar.
Foi um processo extremamente solitário, foi preciso haver um click. Apercebi-me que há coisas que só nós temos a capacidade de fazer por nós mesmas, não adianta nada que haja quem o tente fazer por nós. A verdadeira mudança tem mesmo que partir de nós. Vem de dentro, não sei bem de onde, mas ela vem.
Quando aconteceu esse click, nasceu uma outra mulher.
Uma mulher diferente da que existia antes da maternidade, uma mulher com uma consciência de si, da sua energia e da energia dos outros totalmente diferente. Uma intuição apurada e uma luz e um brilho capaz de ofuscar os fantasmas do passado.
Hoje apercebi-me que tudo o que foi acontecendo foi porque tinha que ser, foi necessário ao processo de me tornar a mulher que sou hoje, mais conectada e mais consciente. Uma mulher mais madura e com capacidade de perceber que o auto-cuidado não é egoísmo, que a auto-estima não é egocentrismo e que o amor próprio é o amor mais importante que podemos ter na nossa vida, porque sem ele nunca teremos a capacidade de dar o amor aos nossos que realmente merecem.
O peso que estava a mais foi perdido, o cabelo cresceu e o gosto pelo auto-cuidado voltou.
Reaprendi a ser mulher na sua forma mais verdadeira e autêntica. Hoje sou melhor mãe porque aprendi a importância de ser eu e não me perder de mim. Hoje tenho a capacidade de saborear os momentos de forma mais atenta e demorada, apreciar cada momento, cada sorriso, cada detalhe. Hoje dou importância a capa pôr-do-sol, a cada história para adormecer contada seguida de beijinhos e rituais de boa noite. Hoje o som das gargalhadas tem toda uma melodia que me encanta. Hoje consigo ser mãe é ser mulher, sem ter a necessidade de anular nenhuma delas em prol da outra. Hoje nós as duas somos uma só, em harmonia e simbiose, de forma a sermos o melhor de nós.
Com consciência de que não é possível atingir a perfeição, que nem sempre conseguimos dar tudo em todas as áreas da nossa vida, nem dar conta de tudo ao mesmo tempo e está tudo bem.
Não somos más profissionais porque o dia correu mal no trabalho, não somos más mães porque perdemos a paciência e estamos cansadas, não somos más amigas porque tivemos que cancelar um compromisso à última hora, não somos más esposas/namoradas porque entrámos em conflito com o nosso marido/namorado e não somos más mulheres porque não nos arranjámos ou não fomos ao ginásio.
Somos apenas seres humanos e ainda assim continuamos a ser super-heroínas aos olhos dos nossos filhos, apenas e só por sermos nós mesmas.
Autor Anónimo
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